(Lou)cura

Escrever poemas é uma manifestação da arte, onde se exploram os sentimentos. Não importa se são coerentes, incoerentes, estranhos ou não, pois não há parâmetros ou moldes para expor o sentimento presente nas entrelinhas de cada verso. 

Podemos escrevê-los a qualquer momento, a partir de qualquer sentimento, ou mesmo a partir da contemplação de algo ou alguém que liberta e ascende a chama no interior da alma de um poeta.


Corre(dores)


Era um vazio estampado em multidão
Morbidez nos matizes mais vibrantes
É assustador como a beleza mais viva
Cai sob a morte perante a incompreensão

É a infância que não se deixa desaparecer
Ou a boa velhice que resolve chegar cedo
Mas quem sabe sejamos só etiquetadores
Falando de fases e ciclos ausentes do real

A manhã nublada torna-se entristecedora
Porque o tempo reflete a dor do coração
Os olhares caem sob a pele como a chuva
É um temporal de gotas frias de veneno

Sublime são os olhos de quem não vê
Ou quem enxerga além da própria íris
Não há psicologia alguma que abarque
Universo tão extenso de perspectivas

 

 Olhos Catalogados 

Quando é possível se deparar com a escuridão,
Descobre-se que sua nascente são os olhos.
Como se, ao olhar para o que é sombrio,
Dificilmente percebesse-se o espelho.
Todo dia mais manchado, quebrado.
Refletindo no mundo ao redor
O que encontra-se dentro.
E catalogando o outro
Como uma margem
Num desenho
Que nada,
De fato,
Diz.
 

 

(A)normal

Existe um limite muito tênue
Entre liberdade e insanidade.
É só perceber o que é normal
Diante dos olhos tão triviais.

O louco sempre busca ser livre,
O normal precisa de integração.
O louco sofre perante os grupos,
O normal sofre perante si mesmo.

E na sagaz incerteza da escuridão
Que o crepúsculo pinta sobre a luz,
Há quem acredito que o louco seja
O pássaro que, por si, resolveu voar.

 

Retrato 


 Há prisões tão poderosas na vida
Que esvaziam-nos toda a sanidade
E é indiscutivelmente difícil a fuga
Quando ser prisioneiro é um desejo

Grades velhas rangem na mente
Estamos algemados ao passado
Em busca de algo que já esteve
Mas nunca voltará, de fato, a estar

Desprendidos da própria realidade
Buscamos uma forma de redenção
Queremos consertar o que já se foi
Sem perceber o presente à espera

E talvez isso, e não outra coisa vil
Seja a verdadeira face da loucura
Desperdiçar a própria vida a pensar
No que a vida poderia, talvez, ter sido

 

(In)sanidade


  Há quem diga que o louco é solitário
Mas que grande tolice de se dizer!
O louco fala consigo e com o mundo
Dança sozinho, canta sozinho, vive.

Há quem diga que o louco é triste
Será que não ouvem a gargalhada?
Estridente e sem se importar no tom
Exportando tudo que sente ao real

Há quem diga que o louco é perigo
E talvez eu até concorde em parte
Loucos são ameaças ambulantes
À "sem-gracisse" da vida normal

Veem solidão, tristeza e perigo
Nos outros, para não ver em si
Mas os reais desafortunados
São os que vivem sem loucura

 

Grades de Força


  Você tem visto por aí as grades?
Essas que você e eu construímos
Para fazer de depósito de liberdades
Em que as almas morrem sufocadas

Você tem dormido bem pela noite?
Mesmo lembrando da desumanidade
Que impregna paredes sujas e podres
A rodear tantos sonhos incompreendidos

Tens, por acaso, visitado o confinamento?
Dos que julgamos à nossa própria realidade
Dos que viveram a vida dos outros por tempos
E explodiram de tanto armazenar a si mesmos

Tens enxergado o mundo ultimamente?
Ou apenas segue o script do dia a dia?
Nada de parar para observar a lua no céu
Nada de rodopiar na avenida principal

Você tem falado consigo mesmo?
Ou deixa esse deleite para as vítimas?
Vítimas de nós, que aqui estamos agora
De poesia para poesia, enquanto eles não

Você sabe que o medo o encurralou, não?
Os afetos que estão aí dentro não sumiram
Eles vão emergir poderosamente um dia
E será tua vez de ser apontado para as grades

 

(Re)criação


  Se o limiar entre esses mundos
Que eles insistem em recriar
Vai ser medido por quantidade
De tantas pílulas a degustar
Talvez no fim seja todo mundo
A mesma massa a misturar

Se são as noites mal dormidas
Se um trauma é forte pra doer
Ou se a vida tão nos machuca
Talvez esteja a nos corroer
Essa resposta pra pergunta
Dos que vão desaparecer

Quando se entende o que há
No desigual de cada agir
É enfim possível enxergar
O que só se pode sentir
E saber que a maioria
Só aprendeu a existir

 

Me Chamou de Quê? 


 As pessoas não suportam a própria imagem
No espelho sujo que chamam de sociedade
Correm apressadas sem respirar direito
E eu é a quem chamam de louco?

Loucas são essas pessoas por aí fantasiando tudo
O futuro que viverão e, na verdade, não o vão
Um amor de suas vidas novo em cada esquina
Ou até a grande conspiração do universo sobre si

Louco é quem vive do egocentrismo exacerbado
Achando-se protagonista de uma história tão vasta
Impondo parágrafos e citações nos outros
Achando que com a caneta certa nunca vai sumir

Louco é o pai que não quer consolar o filho chorando
A mãe que finge não ver a filha beijando garotas
Insano são os que apodrecem parados no tempo
Ou quem pensa que a vida é um jogo sem game over

Louco é quem não enxerga a efemeridade das coisas
Sem parafuso são os que renegam a si mesmos
Eu? Eu sou apenas um perdido nesse planeta
Que mais parece um manicômio improvisado
 
 
Autoria: Jonas Fortuni
 
Fotografia: Vinícius Félix
 
Publicado por: Eduardo Rodrigues 

Comentários

  1. Me sinto muito feliz por construir esse trabalho fotográfico junto das poesias do grande artista Jonas. Essa exposição ficou maravilhosa, gosto desse fundo preto do site, dando destaque nas palavras e nas fotografias. Que possamos levar esse projeto adiante, em outras exposições e criações na Cia.

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